Larissa Nunes investe na música enquanto luta contra racismo: ‘É um crime perfeito’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Larissa Nunes tinha uma simples tarefa nas gravações da primeira temporada de “Coisa Mais Linda” (Netflix). Como Ivone, irmã de Adélia (Pathy Dejesus), ela precisava gravar uma cena de poucos segundos em que apareceria cantando uma música de Noel Rosa enquanto subia uma ladeira da comunidade onde sua personagem mora na série. A cena acabou por revelar um talento nato da jovem de 24 anos, mas não foi ao ar -os produtores preferiram aproveitar esse dom e transformá-lo em uma boa surpresa para a segunda temporada da série, que estreou em junho deste ano, elevando Ivone ao papel de protagonista, e revelando aos espectadores a potência vocal da atriz. “É uma história engraçada. Nunca havia contado para ninguém do elenco que eu cantava. Foi naquele momento que eu mostrei. E só quando recebi o roteiro da segunda temporada que soube que a Ivone teria essa trajetória musical. Cada página que eu virava do roteiro, me questionava: ‘Como assim?'”, conta a atriz, aos risos, em entrevista à reportagem. Ela acrescenta que não imaginava que se tornaria uma das protagonistas da trama de mulheres cariocas dos anos 1960. Até então, Nunes já havia feito uma participação em “3%”, série brasileira da mesma plataforma de streaming, enquanto se formava na Escola de Arte Dramática da USP (Universidade de São Paulo) -isso após desistir de uma faculdade de jornalismo e passar por empregos em restaurantes e até em um banco. A decisão foi certeira e, no primeiro ano escolar, ela conseguiu um teste para participar de “Coisa Mais Linda”, em 2018 -o qual ela gravou sem tripé, com um celular simples, e no que ela diz ter sido um “período conturbado” de sua vida. “Precisei passar por muitas experiências para dizer, com todas as letras, se eu era artista. Se era sobre viver uma paixão ou uma missão”, conta ela, lembrando que, desde criança, gostava de cantar na escola ou fazer teatro no Sesc. Ela lembra, contudo, que sempre foi mais tímida e buscava não chamar a atenção, especialmente pelas situações de bullying e preconceito que sofria. Foi somente no teatro que ela encontrou sentido para as coisas que sentia. Nesta época, ela se mudava de Taboão da Serra para Osasco, na Grande São Paulo, com a mãe, para depois vir morar no centro de São Paulo. “O começo é meio nebuloso, mas precisou ser assim para que eu tivesse mais certeza hoje do que eu queria.” Barreiras a acompanharam durante toda essa trajetória, e continuam até hoje, diz Nunes. “Estou há dez anos entendendo meu lugar como artista. Já passei por várias situações de machismo e racismo, principalmente nos espaços artísticos. Sempre fui muito presente nos debates e militância do movimento negro, criei pontes com artistas negros. Mas o racismo é um crime perfeito. Você vive achando que está tudo certo, e a verdade é que, o que você está vivendo hoje, é algo totalmente do que uma pessoa branca vive.” Ciente da era dos ataques virtuais e da maior responsabilidade que hoje tem, por sua visibilidade, ela afirma que diariamente busca propagar um discurso mais equilibrado em sua luta como mulher negra, e se posicionar “na hora certa”, para que suas palavras não sejam distorcidas. “É um processo de paciência comigo”, diz ela. “Sempre tivemos que amansar nossos discursos, porque a sociedade não sabe. Precisamos ensinar… E eu não sei se tenho essa didática para uma população em que a cada 15 minutos, morre-se um de nós. Às vezes, a pessoa precisa buscar sozinha, e não querer ter tudo mastigado. Existem ferramentas para isso. É desgastante.” VOZ DE ATITUDE Desde que começou a emendar trabalhos audiovisuais, Larissa Nunes diz ter entrado em hiato musical, prolongado pelos estudos e após a morte de seu pai. Logo nas primeiras semanas de isolamento social, porém, a artista sentiu a necessidade de desabafar. Em apenas uma semana, escreveu e gravou uma mixtape de 11 músicas, no que ela chama de “um surto de criatividade”. “Acordava todos os dias e escrevia. Eu sabia o que eu podia oferecer.” Chamado “Quando Ismália Enlouqueceu”, uma referência ao poema de Alphonsus de Guimaraens, o projeto foi gravado inteiramente pelo celular da atriz. “Fui para os ruídos do vinil, das chamadas de telefone, e assumi essa estética. A mixtape tem 11 minutos, e é exatamente isso: uma chamada de telefone de 11 minutos”, diz. O estilo musical, segundo ela, é uma mistura de hip hop e R&B, flertando com o afro beat e “diferentes estilos que perpassam a música”. A definição é tão variada quanto a playlist que Nunes costuma ouvir em casa, que vai de Tyler, The Creator a Lady Gaga, Burna Boy, Duda Beat, Emicida e Iza -todos artistas com quem ela sonha ainda fazer parcerias. “Estou em um momento de redefinição e reapresentação da minha imagem; do que eu quero passar para as pessoas. Estou aproveitando esse momento para me alimentar de coisas novas”, afirma a artista, que é autora de todas as suas músicas disponíveis nas plataformas musicais. “Quero mostrar uma imagem com mais atitude, que não tenha medo de inovar na música ou de trazer suas referências pretas para todo mundo conhecer e escutar. É uma imagem de maior presença. Quero mostrar mais a minha voz, minhas potências vocais.” Além da música, ela tem usado o período de isolamento social para praticar ioga, aprender receitas culinárias, ler roteiros de trabalhos futuros, manter o contato com os amigos via videochamadas, e estudar mais “o tempo” de suas plantas. A relação com as roupas também tem se transformado. Fugindo das tendências passageiras e aliando o gosto pela moda ao prazer em tirar fotos e se maquiar, ela tem estudado ângulos e formas de melhorar sua autoestima. Passada a pandemia, ela já sabe qual a primeira coisa que irá fazer: ir à praia. “Desde pequena, é um evento ir à praia. Certamente, a natureza é o que mais me faz falta. Moro em uma região de São Paulo com prédios altos, em que consigo medir o quadrado de céu que consigo ver. Quero me conectar com a natureza, respirar ar fresco e contemplar.”

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