WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Joe Biden foi confirmado candidato democrata à Casa Branca nesta terça-feira (18), na segunda noite da convenção que reuniu líderes da velha e da nova guarda do partido. A oficialização da vitória de Biden, que conquistou 3.558 votos dos delegados democratas, foi meramente protocolar, visto que, desde abril, quando Bernie Sanders desistiu da corrida, o ex-vice de Barack Obama era o único a pleitear a vaga de adversário de Donald de Trump na eleição de novembro. Biden agradeceu “do fundo do coração,” mas guardou seu discurso para a quinta-feira (20), última noite da convenção democrata que, em razão da pandemia, tem sido realizada pela primeira vez de maneira virtual. A segunda noite do evento foi marcada pela participação de lideranças do passado e do futuro democrata, em mais uma tentativa de mostrar a amplitude do arco de apoio a Biden. Para além das diversas alas da sigla, a cúpula democrata quer mostrar que o ex-vice de Obama tem apoio, inclusive, suprapartidário, de republicanos que estão cansados da retórica agressiva de Trump. O ex-presidente dos EUA Bill Clinton foi um dos escalados nesta terça para fazer ataques fortes e diretos ao atual líder do país, mas seu papel foi reduzido a um discurso de apenas cinco minutos, dividindo holofotes com lideranças mais jovens, como a deputada Alexandria Ocasio-Cortez. Acostumado a falar por quase uma hora em eventos do partido -como aconteceu na convenção de 2012-, Clinton viu grande parte do interesse dos eleitores e da imprensa americana migrar para a brevíssima aparição de Ocasio-Cortez, estrela da ala progressista, que discursou por pouco mais de um minuto para defender o legado de Sanders. Em um gesto simbólico, AOC, como ela é conhecida, não citou o nome de Biden em sua fala, mas, em seguida, explicou em suas redes sociais que o movimento fazia parte das regras da sigla. “Se você ficou confuso, não se preocupe! As regras da convenção exigem chamada e nomeações para cada candidato que ultrapassar o limite de delegados. Fui convidada para falar pelo senador Sanders”, escreveu Ocasio-Cortez antes de parabenizar Biden. “Vamos ganhar em novembro.” Na segunda-feira (17), Sanders havia feito um discurso de união, inclusive com conservadores, e pedido que seus eleitores votassem em Biden. Os ataques a Trump da primeira noite, capitaneados principalmente pelo senador e pela ex-primeira-dama Michelle Obama, que disse que o republicano “é o presidente errado” para o país, foram repetidos nesta terça, assim como os elogios à capacidade de liderança de Biden, explorado como quem pode conduzir os EUA para fora de uma crise sem precedentes. Além de Clinton e Ocasio-Cortez, também participaram o ex-presidente Jimmy Carter, o ex-secretário de Estado americano John Kerry, o líder democrata no Senado, Chuck Schumer,] todos da velha guarda. Ao lado de AOC e da renovação que ela representa, estavam, por exemplo, Stacey Abrams, que perdeu por margem apertada a eleição para o governo da Geórgia, em 2018, e chegou a ser cotada como vice de Biden, posto que ficou com a senadora Kamala Harris, assim como Abrams, uma mulher negra. O pragmatismo de AOC -que segue Sanders- deixa claro que a coalizão é necessária para derrotar Trump, mas reforça que vai seguir alimentando o movimento progressista e pressionando a cúpula democrata a se sintonizar com as demandas de sua base eleitoral. Do outro lado do tabuleiro, Clinton fez um discurso gravado em vídeo em que remeteu Trump ao completo caos e criticou a condução do presidente diante da pandemia que já matou mais de 170 mil americanos. “Em um momento como este, o Salão Oval deveria ser um centro de comando. Em vez disso, é um centro de tempestade. Existe apenas caos. Só uma coisa nunca muda, sua determinação em negar responsabilidade e transferir a culpa. A bola nunca para por aí”, disse ele. Em seguida, insistiu na cantilena de união. “Nosso partido está unido para oferecer a vocês uma escolha muito diferente: um presidente com atuação. Um cara pé no chão que faz o trabalho. Um homem com uma missão: assumir responsabilidades, não transferir a culpa; concentrar, não distrair; unir, não dividir. Nossa escolha é Joe Biden.” Adaptados ao formato remoto, os discursos têm sido reduzidos, ocupando duas e não as quatro horas que eram habituais quando a convenção acontecia de maneira presencial. Mesmo assim, os principais oradores têm falado de 10 a 20 minutos, e em horário nobre, após as 22h (23h em Brasília), o que não foi o caso de Bill Clinton, que falou antes de Ocasio-Cortez. O ex-presidente representa os democratas mais moderados, assim como Biden, mas, desde 2016, Sanders tem travado uma batalha interna -cada vez mais ampla e fortalecida- que levou o partido à esquerda. AOC, por sua vez, é a deputada mais jovem a ser eleita à Câmara dos EUA e representa uma encruzilhada ao futuro do establishment democrata. Nos próximos anos, independentemente do resultado das eleições, a cúpula da sigla precisará decidir como se posicionar diante da base eleitoral mais progressista. Parte desse grupo tem se incomodado com as participações de republicanos na convenção democrata. Nesta terça, por exemplo, um dos convidados era o ex-secretário de Estado republicano Colin Powell, que disse que Biden vai retomar a “autoridade moral dos EUA”. Ao lado de Clinton e Ocasio-Cortez, um dos discursos mais esperados da noite era o da esposa de Joe Biden, Jill, que encerrou o evento de terça. Sua fala se concentrou na trajetória pessoal do marido, muitas vezes citada na campanha: semanas após ter sido eleito senador por Delaware pela primeira vez, em 1972, o democrata perdeu sua primeira esposa, Neilia, e uma filha, Naomi, de apenas um ano de idade, em um acidente de carro. Em 2015, Biden perderia outro filho, Beau Biden, vítima de um câncer no cérebro. Doutora em ciências da educação, Jill falou de uma sala de aula do colégio Brandywine, em Wilmington, no estado de Delaware, onde lecionou no início de sua carreira, e se dirigiu em tom afetivo às famílias que enfrentam a incerteza da volta às aulas durante a pandemia. “Dá para ouvir a ansiedade que ecoa pelos corredores vazios. Não há o cheiro de cadernos novos ou de pisos recém-encerados. As salas de aula estão escuras, e os rostos jovens e brilhantes que deveriam ocupá-las estão confinados a caixas na tela do computador”, disse.