Militares amotinados detêm presidente e primeiro-ministro do Mali

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Militares do Mali amotinados desde a manhã desta terça-feira (18) detiveram o presidente, Ibrahim Boubacar Keita, e o primeiro-ministro do país, Boubou Cissé. Não há acusações formais contra ambos os políticos e não está claro quem está no comando do país no momento. Durante a tarde, a televisão estatal ORTM foi tirada do ar. De acordo com o grupo de oposição M5-RFP, que lidera os protestos pela renúncia de Keita e Cissé desde o dia 5 de junho, o que está ocorrendo no país “não é um golpe militar, mas uma insurreição popular”. O motim começou na base militar de Kati, a 15 quilômetros de Bamako. Segundo a embaixada brasileira no Mali, “houve tiros dentro da base”, e o comércio foi fechado devido ao temor de um golpe de Estado. Além da tomada da base, rumores de que havia um golpe em curso e informações de que ministros e militares de alto escalão foram detidos fizeram com que milhares saíssem às ruas para celebrar. Imagens da agência AFP mostram caminhonetes de militares sendo recebidas com festa pelos manifestantes. As prisões de Keita, Cissé e outras autoridades do país foram condenadas por diversos países e organismos internacionais. O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, e o presidente da União Africana, Moussa Faki Mahamat, pediram a liberação imediata do presidente e de seus aliados. O Conselho de Segurança da ONU também anunciou que dará nesta quarta (19) uma reunião de emergência sobre a crise no país. Em comunicado divulgado por meio de seu porta-voz, Guterres exigiu a restauração da ordem constitucional e do estado de direito no Mali. Faki seguiu a mesma linha. Condenou “veementemente qualquer tentativa de mudança anticonstitucional” e apelou “aos amotinados para que cessem o uso da violência e respeitem as instituições republicanas”. Antes da confirmação sobre a prisão dos líderes do país, o embaixador brasileiro para o Mali, Rafael Vidal, afirmou à reportagem que o Brasil segue apoiando a “ordem institucional” e o “presidente legitimamente eleito do país, Ibrahim Keita”. Segundo Vidal, “Keita tem sido hábil negociador e tem trabalhado duro pela estabilidade política, preservação da democracia e retorno da segurança na luta contra o terrorismo”. A base de Kati é a mesma onde teve início um golpe militar que, em 2012, derrubou o então presidente Amadou Toumani Toure, gerando a instabilidade que abriu espaço para que radicais islâmicos assumissem o controle de vastas regiões no norte do Mali e em países vizinhos. Os conflitos na região persistem desde então, com a presença de uma coalizão internacional liderada pela França. Esse é um dos motivos pelo qual os líderes do país são pressionados a renunciar desde junho, quando grandes protestos tomaram as ruas de Bamako, deixando ao menos 14 mortos. Os manifestantes reclamam da corrupção no governo e da ineficiência da coalizão que tenta combater os extremistas islâmicos há oito anos. Quem lidera os protestos é o grupo de oposição M5-RFP, cujo nome faz referência ao dia 5 de junho, data de início das manifestações, e o clérigo muçulmano Mahmoud Dicko. Apesar de os protestos serem heterogêneos, unindo diferentes grupos religiosos e políticos, Dicko é visto como a força que galvanizava os atos —ele ainda não se pronunciou sobre os acontecimentos desta terça. A importância estratégica do Mali para o conflito na região oeste do Sahel torna a instabilidade no país um motivo de preocupação para as nações vizinhas e para a comunidade internacional. O temor é que a crise política prejudique o combate a extremistas islâmicos que protagonizam conflitos no Sahel —faixa de clima semi-árido abaixo do deserto do Saara e acima da floresta tropical africana. A Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) tentou apaziguar a situação no Mali em três oportunidades. Na última, após uma conferência extraordinária com todos os Estados-membros, o bloco fez uma série de recomendações para pacificar a oposição e os manifestantes. Entre as recomendações estavam a formação de um governo de união nacional que incluísse a oposição e a renúncia de 31 deputados eleitos após uma controversa decisão do Tribunal Constitucional do país que favoreceu o governo de Keita, além da recomposição da próprio tribunal, dissolvido em resposta aos atos. O governo tentou colocar as recomendações em prática, mas a oposição não cedeu e seguiu pedindo a queda do presidente e de seu governo. Keita foi eleito presidente em 2013 e reeleito em 2018.

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