BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Depois de ter atravessado os primeiros meses da pandemia do coronavírus mantendo a crise sob controle em relação ao resto da América do Sul, o Paraguai enfrenta agora as primeiras dificuldades. O país precisa conter o trânsito ilegal na fronteira com o Brasil e combater os focos de contágio em penitenciárias , além dos que surgiram após a flexibilização da quarentena. Outro ponto de conflito são os protestos de comerciantes e de parte da sociedade, principalmente na região das fronteiras com Brasil, Bolívia e Argentina, que pedem a abertura para retomar seus negócios. Em entrevista à reportagem, o ministro da Saúde paraguaio, Julio Mazzoleni, diz que não há condições, por enquanto, de ter um cronograma para a reabertura de fronteiras. “Estamos preparando protocolos para abrir de forma gradual, com muito cuidado.” A mesma indefinição se aplica a viagens aéreas internacionais, suspensas sem previsão de retorno. “Seguramente não será antes de setembro”, afirma. Segundo a universidade Johns Hopkins, o Paraguai registrou até esta sexta (14) 8.389 casos e 97 mortos por Covid-19. Ou 14 mortes para cada 1 milhão de habitantes. Os vizinhos de fronteira têm números bem maiores –122 por 1 milhão na Argentina, 332 na Bolívia e 501 no Brasil. O bom desempenho paraguaio, até aqui, está sendo atribuído a uma reação muito dura e muito rápida desde o surgimento da crise. O primeiro caso foi confirmado em 7 de março –um homem que havia viajado a negócios ao Equador. O país decretou imediatamente o fechamento das fronteiras e medidas de quarentena. “Não tínhamos capacidade de fazer tantos testes e temos um sistema hospitalar que não é tão bem estruturado como o do Uruguai, por exemplo”, diz o ministro da Saúde. “A única opção era decretar a quarentena e nos prepararmos, e assim o fizemos.” Entre as medidas tomadas, esteve o controle rígido das pessoas que chegavam do exterior. Vários hotéis foram usados para a quarentena obrigatória –que começou com período de 60 dias e depois foi reduzida para 21 e 14. O país também investiu em uma intensa campanha de conscientização, logo depois de ter enfrentado a pior epidemia de dengue dos últimos 20 anos. “Isso fez com que a população nos desse bola quando afirmamos que o coronavírus era uma ameaça séria”, afirma Mazzoleni. Com o passar do tempo e a crise sanitária prolongada, no entanto, a adesão às medidas restritivas tem sido comprometida. A maior preocupação das autoridades está no departamento do Alto Paraná, cuja capital é a Ciudad del Este –que praticamente vive do comércio legal e do contrabando com o Brasil. É ali que estão 80% dos casos ativos da doença e um terço dos mortos no país até agora –o prefeito, Miguel Prieto, esteve entre os internados por coronavírus. Comerciantes e empresários ligados ao turismo já não querem respeitar as restrições, que afetam diretamente seus negócios. No começo de agosto, houve uma série de buzinaços, manifestações e carreatas nas ruas pedindo a reabertura da fronteira. A situação preocupa porque, com o impedimento do comércio legal, tem aumentado o contrabando. Com isso, há mais violência entre as gangues envolvidas. Segundo o Ministério da Defesa, um militar foi morto em julho durante enfrentamento com os criminosos. E seis contrabandistas morreram afogados tentando cruzar o rio Paraná durante perseguições. “Entendemos o impacto negativo na economia local que essas medidas têm, mas o preço a pagar por abrir a fronteira ainda é alto demais, porque o Brasil tem muitos casos”, afirma Mazzoleni. Devido à concentração de casos, que lotaram as UTIs de Alto Paraná, a flexibilização das medidas foi revista. O departamento voltou à primeira fase da quarentena, ao menos até este domingo (16), enquanto outras regiões já estão indo para a quarta e última etapa de retomada. A crise também fez com que o Executivo enviasse ao Congresso um projeto de lei para diminuir o número de presos nas penitenciárias do departamento. Isso depois que, em uma delas, foram registrados 500 contágios e três mortes por Covid-19. Depois da aprovação pelo Parlamento, cerca de 1.700 condenados deixaram a cadeia. A legislação só permite a liberação de presos por crimes leves –não se aplica a autores de assassinatos ou estupros, por exemplo. Outra região bastante afetada é a capital, Assunção, e sua região metropolitana, onde vivem 2,9 milhões de pessoas. Uma característica curiosa do avanço da pandemia no Paraguai é que os focos foram registrados entre jovens, sendo que a maioria voltava de São Paulo ou de Buenos Aires. De acordo com o Ministério da Saúde, 69% dos contágios no país foram registrados em pessoas entre 20 e 49 anos, e apenas 8% entre a população com mais de 60 anos. Assunção está na fase três da flexibilização, o que permitiu a abertura de alguns grandes comércios a partir de fim de julho. Mas a decisão provocou aumento nos casos. Em um supermercado, 30 funcionários foram contaminados. “Nossa preocupação em Assunção está nesses locais de aglomeração de trabalhadores ou consumidores, e também em bairros muito populosos e prisões”, diz Mazzoleni. Assunção também tem sido cenário de protestos de comerciantes e pessoas que pedem o fim da quarentena. No começo de agosto, médicos fizeram uma grande manifestação para reclamar dos contágios entre trabalhadores de saúde. Eles pedem bônus em dinheiro para todos os profissionais, por conta de horas extras feitas para substituir colegas infectados. O mesmo tipo de protesto ocorreu em algumas cidades do interior, como Paraguarí, pela falta de insumos de proteção para enfermeiros. Para ampliar a reativação da economia, o governo considera necessário fazer mais testes. A capacidade aumentou, desde o início da pandemia, mas ainda está longe da ideal –o Paraguai passou de 50 exames por dia para 2.000. Para Santiago Insaurralde, da Rede de Laboratórios nacional, a estratégia agora é testar mais entre a população de risco e os profissionais que estão voltando às atividades, além das regiões com focos. No total, desde o início da pandemia, o Paraguai já realizou 138.415 testes, com 5% de casos positivos. O ministro da Saúde reconhece que há um cansaço da população em relação às medidas restritivas, que têm também impacto econômico nas famílias. E diz que a estratégia é atuar de forma mais pontual. “Os jovens assintomáticos são uma preocupação porque estão mais suscetíveis ao negacionismo, já que não sentem os efeitos na pele, mas podem contagiar”, afirma. Do ponto de vista econômico, o Paraguai também deve ser menos impactado pelos efeitos da pandemia do que os seus vizinhos. Um estudo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) estima uma retração de 2,3% do PIB em 2020. Como comparação, a Argentina deve ter recuar 10,5% e o Brasil, 9,2%. Isso porque o setor agropecuário, grande força do país, não parou. A produção de soja e de carne para exportação gera 25% do PIB paraguaio.