BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A saída de dois integrantes da equipe econômica responsáveis por parte relevante da agenda liberal do ministro Paulo Guedes (Economia), privatizações e simplificação da burocracia estatal, expôs os diversos focos de pressão contra a prometida reforma do Estado. No Congresso, as baixas geraram a expectativa de que os substitutos dos secretários, cujos nomes já foram anunciados, adotem postura e trânsito mais empáticos com a política. Sem isso, avaliam congressistas, os danos à economia gerados pela paralisia de projetos poderão ser maiores do que o esperado pelo mercado. Na condição de anonimato, banqueiros e investidores afirmaram à reportagem que já contavam com o adiamento da reforma administrativa e a lentidão do programa de privatizações –a chamada precificação no jargão do mercado. A percepção deles se alinha com a de lideranças no Congresso que se tornaram mais resistentes à reforma do funcionalismo público e ao plano de desestatização de empresas como a Eletrobras. Os Correios e a Casa da Moeda deram resultado positivo na pandemia, aumentando a atuação de deputados contrários à venda de estatais. Nas estimativas feitas pelos bancos, com base no atual cenário, o país deve ultrapassar a marca de R$ 1 trilhão em gastos para conter os danos da pandemia até o fim deste ano, o que fará a dívida ultrapassar 100% do PIB –patamar superior àquele previsto pela equipe econômica. Para esse grupo, ficou evidente que a divergência de interesses pode prejudicar a economia, tanto neste ano quanto no próximo, ampliando o endividamento e degradando ainda mais o cenário fiscal. A falta de alinhamento entre as alas do governo também irrita líderes de partidos de centro e do chamado centrão, que dizem haver desorganização do próprio Executivo a respeito de propostas prioritárias no Congresso. “O que merece atenção é esse ruído entre a equipe econômica e outros setores do próprio governo. O cenário de instabilidade prejudica a agenda pós-pandemia e a retomada econômica do Brasil”, afirma o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB). O que explica essa situação é o choque entre a agenda liberal de Guedes e a pauta eleitoral, que, neste momento, mobiliza o Planalto e o Congresso em torno de medidas populistas, como a postergação do socorro financeiro da pandemia até o fim deste ano e, possivelmente, a do crédito para empresas em dificuldades. No time de Bolsonaro, essas divergências são materializadas, de um lado, pelos ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Walter Braga Netto (Casa Civil), e, do outro, Guedes. Os três primeiros pressionam por investimentos públicos para tocar obras de saneamento e infraestrutura, vitrines eleitorais para o presidente, que ajudariam na recuperação econômica. Essa defesa levou a um debate sobre a possibilidade de se furar o teto de gastos, o que os opôs frontalmente ao ministro da Economia, defensor do ajuste fiscal. Na semana que passou, o presidente, ao lado desses ministros, e os principais líderes no Congresso fizeram uma declaração conjunta em defesa do respeito ao limite de despesas públicas. Por ora, Bolsonaro decidiu ceder aos apelos do Posto Ipiranga para evitar a alta do dólar, por exemplo. Pelos cálculos dos economistas, a incerteza sobre a situação fiscal já afeta a taxa de câmbio, que poderia estar R$ 0,70 mais baixa ante o dólar, não fossem as dúvidas que a pressão política em ano eleitoral coloca sobre as despesas do governo. Com um lobby pesado no Congresso, os servidores federais conseguiram adiar a reforma de suas carreiras (administrativa). Muitos também operam no Congresso contra as privatizações, caso da Infraero, dos Correios e da Eletrobras. A debandada de integrantes da equipe econômica não surpreendeu o mercado, já acostumado às sucessivas baixas que ocorrem a partir da saída de Joaquim Levy da presidência do BNDES. Desde então, já foram oito baixas no time. As interferências políticas de Bolsonaro na gestão das estatais ligadas a Guedes se tornaram frequentes, tanto no banco de fomento quanto no Banco do Brasil. Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização, não tinha traquejo para lidar com congressistas, a quem, ao final, caberia o aval para o plano de vender estatais do porte da Eletrobras, dos Correios e da Casa da Moeda. Além da resistência histórica do mundo político para venda de estatais –desalojando aliados nesses órgãos–, outros fatores passaram a pesar contra a agenda de privatizações. A crise levou, por exemplo, a uma procura por papel-moeda, movimento que se intensificou com o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 pelo governo. Houve um aumento dos saques, e o Banco Central até pediu o adiantamento de entregas de cédulas pela Casa da Moeda. Nos Correios, o isolamento fez o fluxo de entregas aumentar 25% até junho deste ano na comparação com o mesmo período de 2019. As compras pela internet foram o principal motor desse resultado. A exemplo dos Correios, muitas estatais têm filiais nos estados e servem de cabides de emprego para indicados de políticos. Também assumem gastos de cunho social, ajudando a reforçar a base de apoio local dos congressistas. Mesmo com a entrada na equipe de Guedes de nomes com maior trânsito entre os parlamentares, a chance de haver privatização de grandes empresas neste ano é considerada remota. Na quinta-feira (13), Guedes indicou os substitutos dos secretários que saíram na semana passada. No lugar de Mattar na Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, entrará Diogo Mac Cord. Já na Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, o escolhido foi Caio Andrade no lugar de Paulo Uebel. O ministro optou por soluções internas. Mac Cord já estava no Ministério da Economia, no cargo de secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura. Ele ajudou a equipe econômica a tocar a proposta do marco do saneamento básico, aprovada na Câmara e no Senado. Andrade é o atual diretor-presidente do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados). Esse movimento reproduz na Economia o que já vinha ocorrendo com o próprio presidente Jair Bolsonaro. A resistência dele a implementar uma política de costura de apoio parlamentar travou sua agenda, impondo derrotas históricas ao governo. Bolsonaro é o mandatário que mais coleciona reveses do Congresso.