SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Nas rinhas, na linha, não importa/ Eu penso diferente pra ter uma história a ser contada lá na frente / Tipo Zumbi dos Palmares, eu luto contra o sistema / E você sabe, na história resolvo todos os problemas”. A rima da MC Dre Araújo feita de improviso é uma das diversas que tomaram a Dissgracera, duelo de rimas virtual criado em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, pelos integrantes da Batalha da Matrix. Assim como shows, filmes e saraus que têm ocupado a internet por causa da pandemia de Covid-19, as batalhas de rima também estão tomando conta por meio das redes sociais. Antes da crise sanitária, o público se reunia na Praça da Matriz, no centro de São Bernardo do Campo, toda terça-feira à noite. “A gente quis fazer algo para preencher o vazio que a quarentena impôs”, afirma Do Vale, como é conhecido Lucas Fonseca do Vale, 28, rapper e um dos fundadores da Batalha da Matrix e morador do Jardim Lavínia. “É uma experiência bem diferente do que a gente está acostumado, mas é o que o momento pediu pra agora. Também foi bom pra nos mexer e agilizar outras ideias”, ressalta. Criada em 2013, a batalha de rimas no centro de São Bernardo é uma das principais entre as cerca de 20 espalhadas pelas cidades da Grande São Paulo. O evento já chegou a reunir cerca de 1.500 espectadores quando era realizado presencialmente. O isolamento social fez com que os integrantes da Matrix pensassem em uma alternativa para manter as competições de rimas entre MCs e a conexão com o público, em geral, jovens moradores das periferias. Na rua, as batalhas de MCs são procuradas tanto por pessoas que buscam aperfeiçoar, na prática, os diferentes tipos de improvisação de rima, quanto pela plateia que quer se divertir com a criatividade dos participantes. Neste início de temporada, participam dos duelos de rima virtuais moradores de São Bernardo do Campo, da zona leste de São Paulo, e até mesmo de Itajaí (SC), de onde vem a MC Dre Araújo. Na Dissgracera, MCs ficam sabendo quem são os oponentes momentos antes do duelo. Cada participante tem dois turnos de 45 segundos, um para atacar e outro para se defender. As competições seguem o estilo freestyle (improvisação de rimas de tema livre). “Escolhemos esse nome [Dissgracera] porque sempre citamos essa palavra durante as batalhas na praça. E no rap existe a “diss”, quando um MC ataca o outro por meio da música”, completa Do Vale. O duelo é feito por meio de vídeos gravados pelo WhatsApp. Depois, a gravação é divulgada nas redes sociais da Batalha da Matrix. Ali, o público comenta e vota na improvisação que mais gostou. Além da votação popular, os vencedores são avaliados pelos Mcs Dukes e Pazsado, jurados do grupo. O duelo principal, que vale mais pontos, é feito nas sextas-feiras, com a dupla de MCs escolhida na votação. A ideia é usar o formato virtual para ampliar o alcance. Para os próximos meses, o coletivo pretende convidar MCs de diferentes regiões do Brasil para competir no projeto virtual como um caminho para trocarem experiências e ampliarem a visão sobre o que está sendo praticado no país quanto ao duelo de rimas. Um dos objetivos é conseguir, no futuro, também realizar a batalha virtual ao vivo. VITRINE Uma característica mantida pela Matrix, mesmo em meio virtual, foi a batida musical (beat) que acompanha as improvisações. “Os beatmakers convidados são produtores musicais aqui da área [São Bernardo] que já eram associados a nós. Também vamos variá-los, temos a intenção de envolver mais gente aliada de outras regiões”, observa Do Vale. Os beats que integram o projeto virtual estão disponíveis no SoundCloud do coletivo, a fim de funcionar como uma vitrine para o trabalho dos beatmakers da cidade e que integram a primeira temporada. Um dos produtores convidados é o beatmaker Murilo Calado, 18, o Calado, morador do bairro Planalto. “O estilo predominante das minhas bases é voltado para o boom bap, teclados tocados, linhas de baixo, timbres que remetem a uma bateria real, e não a algo muito sintetizado”, diz Calado. “Gosto de explorar melodia tocada e uma bateria ritmada, não necessariamente dançante, mas que provoque um movimento involuntário no corpo de quem escuta”, detalha. Para ele, iniciativas como o novo projeto da Batalha da Matrix são necessárias fortalecer o movimento hip hop, uma “cultura transformadora que salva muitos e muitas todos os dias”.