MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Os casos confirmados ou suspeitos do novo coronavírus já atingiram pelo menos metade das 28 aldeias da terra indígena Sete de Setembro, em Rondônia, onde vivem cerca de 1.800 indígenas paiter suruí. Há lideranças internadas em estado grave. Nesta quinta-feira (13), os casos confirmados na terra indígena chegaram a 50, mas há dezenas de suspeitos. Oficialmente, há casos confirmados em cinco aldeias: PIN Paiter e Joaquim, que têm os maiores números de infectados, Gapgir, Amaral e Lapetanha. Mas, de acordo com a liderança indígena Celso Lamitxab Suruí, da aldeia Lapetanha, há casos suspeitos em pelo menos metade das 28 aldeias. “Em pouco mais de 15 dias a pandemia chegou ao nosso território e se espalhou por metade das aldeias dos Suruí. A cada dia temos três ou quatro casos novos. Ontem [quarta] recebi ligações das aldeias Central e Tikan, informando que a pandemia chegou lá. Estão todos doentes, nas redes, precisando de médicos e testes”, disse Celso. Na aldeia Lapetanha, onde ele mora, vivem 90 indígenas e cinco testaram positivo para Covid-19, inclusive o próprio Celso, que realizou o teste na última quarta-feira (12). Entre os casos confirmados de Covid-19, quatro estão com quadro de saúde grave e três deles estão internados no Hospital Regional de Cacoal. Segundo Celso, os três estão intubados e o estado deles inspira cuidados. Um deles, Renato Suruí, 43, precisou aguardar dois dias por uma vaga na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Regional de Cacoal, segundo Celso. Ele cobra uma estrutura melhor de assistência à saúde nas próprias aldeias, para evitar o deslocamento dos indígenas à cidade e, a criação de leitos de UTI nos hospitais da região. “Ele [Renato] já tinha sido transferido para o Hospital Regional de Cacoal, depois de passar mal na aldeia. No hospital, ele agravou na segunda-feira e precisou de um leito de UTI, mas só na madrugada de hoje [quinta] conseguiram uma vaga para ele”, disse. Mas é a situação dos anciãos que mais preocupa o povo Suruí, que teme perder suas lideranças, como está ocorrendo com outros povos indígenas atingidos pela pandemia. Um deles é Perpera Suruí, 75, um ex-pajé dos paiter suruí que “perdeu a função” após o povo dele ser evangelizado, na década de 1970. Perpera inspirou o documentário “Ex-Pajé”, de Luiz Bolognesi, que mostra como a maior entidade indígena perdeu sua função milenar e foi marginalizada após a aldeia Lapetanha, onde eles vivem, se converter à crença evangélica. Segundo Celso, ele foi diagnosticado no início da semana e, na noite de quarta, o quadro se agravou. No entanto Perpera segue sendo assistido na própria aldeia, por opção dos indígenas, que dizem não confiar no tratamento prestado no Hospital Regional de Cacoal. “Não deixamos ele ir pro hospital, pois todos nossos parentes que foram para lá reclamam que são mal tratados e não conseguem leito de UTI. O Perpera está aqui na comunidade, com suporte de um cilindro de oxigênio e de uma enfermeira do Dsei [Vilhena].” Outro ancião diagnosticado com Covid e em caso grave é o cacique da aldeia Amaral, Iabibi Suruí, 75, que foi internado em Cacoal na última segunda (10). Em toda a Amazônia brasileira havia, até segunda, 17.498 casos confirmados e 564 mortes por Covid-19 entre indígenas de 123 povos, segundo o boletim da Coiab (Coordenação dos Povos Indígenas Brasileiros). Rondônia concentra 682 casos e 15 mortes. O estado com o maior número de casos e de mortes é o Amazonas, que também tem a maior população indígena do país: 3.950 casos confirmados e 186 óbitos até segunda. O líder do povo suruí Almir Narayamoga Suruí, cobrou do governo federal a adoção de medidas urgentes para conter o avanço da pandemia na terra indígena Sete de Setembro e evitar mortes. “Apesar da grave situação do povo suruí, medidas urgentes ainda não foram tomadas para conter o vírus dentro das comunidades, e os indígenas em estado grave que correm risco de morte ainda não foram transferidos para a UTI por falta de leitos”, disse. Ele cobra a instalação de um hospital de campanha com UTI para atender os povos indígenas de Rondônia e Mato Grosso, a contratação de mais profissionais de saúde e aquisição de equipamentos e medicamentos necessários para atender casos de Covid-19, além da realização de testes em todos os indígenas que apresentem sintomas e da criação de um “comitê de diálogo”, composto por representantes dos povos indígenas, de ONGs e profissionais de saúde. Em vídeo divulgado nas redes sociais, os suruí informam que decidiram pelo isolamento voluntário e lembram que a medida visa evitar mortes em massa, como aconteceu após o primeiro contato com os não indígenas, em 1969, quando a população dos suruí foi atingida por uma epidemia de sarampo e caiu de 2.000 para pouco mais de 200 pessoas. A Folha procurou a Funai (Fundação Nacional do Índio), que disse que a responsabilidade pelas ações de saúde indígena são exclusivamente da Sesai (Secretaria Estadual de Saúde Indígena) -que não respondeu. Enquanto a assistência do governo federal não chega, os próprios indígenas decidiram se organizar para promover uma campanha de arrecadação de donativos e recursos, que serão usados para a compra de itens de primeira necessidade, medicamentos, máscaras e álcool em gel, que serão distribuídos nas aldeias. “Qualquer ajuda será bem vinda para ajudar o meu povo, que está necessitado, em isolamento, com medo de se contaminar com o coronavírus”, disse o cacique da aldeia Lapetanha, Mopiry Suruí, que cobrou de governantes uma retribuição aos serviços prestados pelos indígenas, de proteção da floresta. “Digo a todos, chefes de estado, políticos com mandato: por causa de nossa existência que ainda há essa floresta que vos alimenta e ainda mantém a temperatura estável no mundo. Essa é a nossa contribuição para o planeta. Agora queremos a retribuição de vocês”, disse.