Em meio a crises na saúde e na política, Bolívia estabelece data limite para eleições

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O Senado boliviano aprovou, na madrugada desta quinta-feira (13), o projeto de lei de postergação das eleições, apresentado pelo Tribunal Eleitoral do país. A votação, que já tinha sido adiada de maio para agosto e depois para outubro devido à pandemia do novo coronavírus, agora foi confirmada pelo Parlamento e deve ocorrer em 18 de outubro -quase um ano depois da eleição original, anulada por suspeita de fraude. “O dia 18 de outubro é o prazo máximo que o Tribunal Eleitoral tem para organizar as eleições gerais. Esse limite de tempo é de caráter inadiável, imutável e definitivo”, afirmou o vice-presidente do Senado, Milton Barón. A presidente interina, Jeanine Añez, favorável à postergação, afirmou que promulgará a medida. O adiamento tem sido a causa de protestos e fechamentos de estradas nas últimas semanas. Segundo a imprensa local, há mais de 70 pontos de bloqueio nas entradas das cidades, que têm provocado desabastecimento de alimentos, remédios e combustíveis. Há, entretanto, versões contraditórias sobre o tema. Añez afirma que o MAS (Movimento ao Socialismo, partido de Evo Morales, levado a renunciar em novembro) tem promovido os atos, impedindo a passagem de caminhões com insumos e oxigênio para hospitais que tratam pacientes de Covid-19. Ao jornal The New York Times Antonio Viruez, chefe de emergências do hospital del Norte, de El Alto, disse que os manifestantes “não deixam as ambulâncias passarem, apedrejam-nas e ameaçam queimá-las”. Já os organizadores dos protestos negam o bloqueio desses veículos e responsabilizam a presidente interina pelo aumento de casos do novo coronavírus, que está levando ao colapso os sistemas hospitalares de cidades como Santa Cruz de la Sierra e Cochabamba. Segundo a Universidade Johns Hopkins, a Bolívia contabiliza 95.071 infecções e 3.827 mortes até esta quinta-feira. Relatos da imprensa local, porém, alertam para uma possível subnotificação de casos, especialmente nessas cidades, em que há mais mortes do que o normal dentro de casas. Corpos e caixões também estão sendo postos nas ruas, cercados por faixas e avisos dos familiares que afirmam a suspeita de que as mortes tenham sido causadas pela Covid-19. O ministro de Governo de Añez, Arturo Murillo, disse, no começo da semana, em entrevista à CNN, que “o politicamente correto seria meter bala”, referindo-se à repressão aos manifestantes. A isso, o ex-presidente Evo Morales respondeu, negando que as manifestações sejam violentas. O líder indígena afirma que “o governo ditatorial de Añez envia franco-atiradores para El Alto” e “prepara um novo golpe de Estado, que busca instaurar um governo de civis e militares”. Logo após a aprovação pelo Senado da nova data limite para as eleições, o ministro da Presidência, Yerko Núñez, disse que “agora não há nenhuma razão para a existência dos bloqueios de estradas, e os que estão mobilizados devem suspender as medidas de pressão”. Dentro do MAS, porém, há discordância sobre a data. Na liderança das intenções de voto, o candidato escolhido por Evo, Luis Arce, defende que a eleição ocorra o quanto antes, por conta do que considera uma má administração da pandemia pela Presidência de Añez. Com ele, concorda o ex-presidente e também candidato Carlos Mesa, em segundo lugar na corrida eleitoral, segundo a pesquisa mais recente, do instituto Ciesmori. Para o ex-vice-presidente Álvaro García Linera, refugiado, assim como Evo, em Buenos Aires, o adiamento interessa a Añez porque “sua estratégia é a de polarizar com o MAS, e, com isso, fazer com que sua intenção de voto cresça, tirando Mesa da disputa”. “Ao MAS não interessa polarizar, porque estamos na frente, temos de focar a estratégia em vencer no primeiro turno, porque aí evitamos que haja um voto útil anti-MAS no segundo”, afirmou Linera à reportagem. Añez havia se posicionado a favor de que o adiamento não tivesse de passar pelo Congresso. Porém, a pressão da oposição e de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, além da Igreja Católica e de uma missão enviada pela União Europeia, instaram pela solução via Legislativo. Preocupados com o aumento de violência no país, a Conferência Episcopal Boliviana, a União Europeia e a ONU emitiram um comunicado no qual pediam às partes envolvidas “respostas efetivas a favor da vida e da defesa dos direitos humanos”. Ainda não se sabe, porém, se a nova data estabelecida para as eleições poderá acalmar os ânimos dos bolivianos. O tribunal eleitoral do país tem sugerido que pode desqualificar a candidatura de Arce, devido ao suposto envolvimento do ex-ministro de economia de Evo em desvios do Fundo Indígena, órgão criado pela gestão anterior para financiar obras em comunidades. Enquanto o impasse sobre as eleições permanece, autoridades locais buscam outras soluções para a pandemia. Em Cochabamba, por exemplo, longas filas se formam em farmácias que vendem dióxido de cloro. Não há, entretanto, nenhuma evidência científica que comprove sua eficácia contra o coronavírus. Em San José de Chiquitos, o próprio prefeito tem feito propaganda da substância, que segundo ele, curou seus familiares. “Tivemos 16 pacientes muito críticos que saíram da UTI por conta do dióxido de cloro. Também reduzimos a letalidade da Covid com essa política”, afirmou Germaín Caballero. Na semana passada, o Parlamento boliviano aprovou o uso do dióxido de cloro, sob prescrição médica, no tratamento do coronavírus. O projeto de lei, entretanto, ainda não foi promulgado pelo Executivo. Semelhante à água sanitária, o composto químico, que já foi falsamente vendido como “cura milagrosa para o autismo”, sequer é considerado um medicamento. Sua ingestão ou administração pelo reto pode causar lesões no intestino, vômito, diarreia, desidratação, insuficiência renal e anemia, entre outros graves problemas de saúde.

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