RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O perfil de Stella se encaixou perfeitamente nos pré-requisitos listados em uma mensagem de Whatsapp espalhada pelos colegas da pediatria no fim de junho: profissional de saúde na linha de frente da Covid-19, entre 18 e 55 anos de idade, nunca pegou o vírus. A ideia de ajudar o mundo na cura da pandemia a atraiu, assim como a possibilidade de se imunizar logo contra a doença. Foi fácil, portanto, a decisão de se inscrever nas fileiras de voluntários que ajudariam a testar a vacina feita pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca. O produto é o mais avançado até agora na corrida pela tão sonhada imunização, segundo a Organização Mundial da Saúde. As altas taxas de infecção e a expertise do Brasil na área geraram o interesse dos pesquisadores -assim como da farmacêutica chinesa Sinovac, que também já começou testes por aqui. Aos 35 anos, a neuropediatra Stella Pinto dos Santos está entre os 2.000 voluntários no Rio de Janeiro, dos quais 61% já tomaram a vacina. São mais 2.000 em São Paulo e 1.000 em Salvador (com 85% e 36% imunizados até agora, respectivamente), além dos de outros países. Como trabalha no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj, de referência para o coronavírus, ela tem lidado diariamente com crianças e adolescentes infectados, que, no geral, apresentam menos sintomas respiratórios e mais inflamatórios. Até agora, não viu nenhum deles morrer. Stella fez o cadastro no site e dias depois recebeu um aviso por mensagem dizendo que havia sido selecionada. Teve então que ler um termo de consentimento de 15 páginas que explicava ponto a ponto, depois relido junto com um funcionário na sua primeira triagem presencial. Questionada sobre se a extensa lista de possíveis efeitos colaterais não a assustou, ela ri. “Um pouco. São os efeitos básicos: febre, dor no corpo, calafrio, mas dizem que, como a ideia é produzir anticorpos, caso você pegue Covid, pode ter uma reação mais grave”, afirma. A vacina britânica usa um vírus para levar material genético do coronavírus para dentro das células. Trata-se do ChAdOx1, adenovírus que causa gripe comum em chimpanzés, mas foi geneticamente modificado e enfraquecido. O objetivo é expor o organismo humano à proteína S (de “spike” ou espícula, o gancho molecular usado pelo Sars-CoV-2 para se conectar às células). Assim, quando a pessoa entrar em contato com o vírus real, seu corpo já terá montado um sistema de defesa. Na primeira consulta de Stella, uma bateria de exames no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, em Botafogo (zona sul), mediu sua pressão, temperatura, peso e altura e incluiu testes RT-PCR e de sorologia para Covid, além de gravidez. Três dias depois, mais uma porção de exames comprovou sua aptidão para a pesquisa e ela seguiu diretamente para a sala da vacina, onde ficou em observação por 30 minutos. “Fui com muita expectativa. Os resultados prévios são bons e a esperança de todos é que dê certo”, diz, otimista. No dia 20 de julho, os pesquisadores de Oxford anunciaram resultados iniciais promissores, com base em um estudo com 1.077 pessoas saudáveis no Reino Unido. A vacina, de acordo com esses dados, é segura e gera uma resposta do sistema imunológico. Mas o otimismo da médica deu lugar ao medo à noite, quando começaram a febre baixa, os calafrios e as dores no corpo que durariam 48 horas, apesar do paracetamol que ela foi orientada a tomar. “Fiquei assustada, dei até o telefone do instituto para o meu marido, caso eu passasse mal”, conta. Não foi preciso. Nos dias seguintes, ela teve que fazer a lição de casa: medir diariamente com uma régua a reação no local da vacina, onde a pele ficou endurecida e avermelhada, e aferir a temperatura corporal com um termômetro, além de responder a um questionário virtual. Depois de duas semanas, o diário online que ela deverá continuar preenchendo por um ano ficou menor, incluindo apenas se ela sentiu sintomas como tosse, febre ou perda de olfato. Faltam ainda quatro visitas de acompanhamento no instituto, que devem ocorrer 28, 90, 182 e 364 dias após a vacina e incluem exames de sangue. “Não dá muito trabalho, é por um bom motivo”, afirma. “O que me deixou muito segura foram os estudos prévios, a explicação, os contatos que dão. Eles dizem: se você ficar grávida vai ter assistência, se internar temos hospital.” Stella, no entanto, não sabe se tomou a vacina ou não. Isso porque os voluntários foram divididos em dois grupos, um que tomou a dose contra a Covid e o outro que tomou uma dose contra a meningite, para comparação dos resultados. “Lógico que, entre uma e outra, eu queria muito ter sido vacinada para Covid”, brinca ela. Os cuidados, portanto, continuam os mesmos. “Apesar de ter esperança, tenho que me lembrar de manter o medo igual, não posso relaxar, porque não sei qual foi a vacina que eu tomei. E, mesmo se for a de Covid, não tenho certeza se imuniza”, conclui.