Feromônio responsável por formar nuvem de gafanhotos é revelado em estudo chinês

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores chineses conseguiram isolar uma molécula que talvez seja a responsável pela formação das nuvens de gafanhotos que costumam devastar plantações no Velho Mundo. A substância é produzida pelo organismo dos insetos quando eles estão em sua fase gregária (ou seja, na qual ocorre o surgimento dos imensos grupos da espécie) e funciona como um chamariz de outros gafanhotos. Os experimentos que revelaram a molécula estão descritos em artigo na última edição da revista científica Nature. A equipe liderada por Le Kang, do Instituto de Zoologia da Academia Chinesa de Ciências, identificou também como a substância, designada pela abreviação 4VA (4-vinilanisol), liga-se a “fechaduras” químicas específicas nas antenas dos gafanhotos para estimular o organismo dos bichos. Kang e seus colegas estudaram o fenômeno da agregação de insetos da espécie Locusta migratoria, que tem ampla distribuição geográfica (África, Ásia e Oceania; os gafanhotos com comportamento semelhante na América do Sul pertencem a outra espécie). O que mais intriga os cientistas quanto a esse comportamento é que os gafanhotos podem passar muito tempo levando uma vida relativamente inofensiva e solitária, sem formar grandes aglomerados. Certas variações ambientais, no entanto, assim como outros fatores que ainda não são bem compreendidos, às vezes, fazem com que os indivíduos solitários comecem a se congregar em grupos cada vez maiores e mais devastadores. Até a aparência dos bichos se transforma – no caso da L. migratoria, a coloração passa do verde para o negro -, e seu organismo começa a produzir substâncias tóxicas como arma contra predadores que tentarem comê-los. Como o contato entre os membros da espécie parece ser um dos elementos desencadeadores para a formação progressiva dos grandes bandos, era natural imaginar que esse processo era influenciado por feromônios, moléculas sinalizadoras emitidas por insetos e outras espécies (são feromônios os responsáveis por coordenar as atividades de trabalho das formigas, por exemplo). Com isso na cabeça, e a partir de uma lista de 35 compostos voláteis (ou seja, que evaporam facilmente) já isolados anteriormente no corpo e nas fezes dos gafanhotos, os pesquisadores chineses primeiro reduziram seus alvos para seis moléculas emitidas com mais frequência pelos insetos em sua fase gregária. Depois, testaram as seis substâncias com os bichos propriamente ditos, verificando que, entre elas, apenas a 4VA era capaz de atrair os gafanhotos gregários. Esse poder de atração independe da fase do desenvolvimento dos insetos e também do sexo –machos e fêmeas, gafanhotos jovens e maduros são igualmente atraídos pelo odor da molécula. Por fim, os pesquisadores demonstraram ainda que a produção da substância no organismo dos insetos está diretamente ligada à densidade populacional dos bichos, mesmo quando eles não estão na fase gregária. Quando empacotaram 30 gafanhotos na fase solitária em gaiolas cúbicas com 10 cm de lado, a 4VA rapidamente começou a ser produzida e ficou em níveis altos durante 24h. O efeito ocorreu até num limiar mais baixo de população, com quatro gafanhotos juntos na gaiola. Tudo indica, portanto, que se trata de uma espécie de efeito “bola de neve”: uma pequena aglomeração de gafanhotos “chama” mais insetos, os quais, por sua vez, atraem um grupo ainda maior, e assim por diante. Ainda não está claro se a substância também é responsável, total ou parcialmente, pelas mudanças de aparência e comportamento dos bichos na fase gregária. Mas os pesquisadores chineses já estão pensando em aplicações práticas da descoberta. A 4VA ou versões mais potentes dela poderiam servir de isca em armadilhas, por exemplo. Outra possibilidade seria usar substâncias que atrapalhem a sinalização química, evitando que os bichos se ajuntem. NUVEM DE GAFANHOTOS NA AMÉRICA DO SUL Uma grande nuvem de gafanhotos formada recentemente na América do Sul vem causando dor de cabeça entre produtores rurais e autoridades sanitárias. Em meados de maio, os bichos chegaram à Argentina a partir do Paraguai. A região onde os insetos estavam concentrados fica próxima ao Rio Grande do Sul. Último monitoramento, no final do mês de julho, apontou que a nuvem de gafanhotos estava na província de Entre Ríos, na Argentina, nas proximidades com o Rio Grande do Sul e o Uruguai. A preocupação é que, se os gafanhotos atravessarem a fronteira brasileira, poderão causar estragos nas extensas lavouras da região. Os bichos se alimentam de qualquer material vegetal e podem comer o equivalente a algo entre 30% a 70% de seu peso, em algumas situações essa taxa pode subir para 100%. Em junho, o Ministério da Agricultura declarou estado de emergência fitossanitária no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, estados que podem ser atingidos pelos insetos. Essa medida, que tem duração de um ano, permite a contratação de pessoal por tempo determinado e autoriza a importação temporariamente de defensivos agrícolas para combater os gafanhotos. Autoridades brasileiras consideram que a principal forma de combater o problema é por meio do despejo de agrotóxico em direção aos insetos. Especialistas, porém, avaliam que o método é extremamente prejudicial porque pode causar sérios danos às pessoas e ao ambiente.

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